Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024

Dispensa de licitação em concessão de serviço público

Publicado por GPM-ADVOGADOS
há 11 anos

A dispensa de licitação, assim como a inexigibilidade, previstas na lei licitatória, não são vistas como aplicáveis, de forma totalmente uníssona na doutrina administrativista, às licitações para concessões e permissões de serviços públicos.

Antes de adentrar especificamente ao cerne da questão em comento, qual seja, se possível a utilização das previsões dos artigos 17, 24 e 25 da Lei nº 8.666/93 para as concessões e permissões de serviços públicos, cabe-nos posicionar o instituto da concessãoem nosso ordenamento jurídico.

Nossa Carta Magna, na parte que versa sobre a Ordem Econômica e Financeira, mais precisamente em seu art. 175, assevera literalmente o seguinte:

Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Pretendeu o legislador constituinte originário que os serviços públicos fossem prestados, direta ou indiretamente, pelo Poder Público, de modo a garantir que o interesse coletivofosse sempre resguardado. Todavia, mesmo com essa preocupação, previu a possibilidade de se permitir ou conceder que outrem, sob sua ordenação e vigilância, executasse tal tarefa.

Da análise rápida do referido artigo somos lançados, de imediato, quando diz, na forma da lei, à Lei Federal nº 8.987/95(art. 1º) que assim dispõe:

Art. - As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

Ainda no art. 175, quando faz referência a sempre através de licitação, somos remetidos ao art. 14 da Lei nº 8.987/95 e ao art. 37, inciso XXI da Constituição da República, que assim, pela ordem, apregoam:

Art. 14 - Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório.

________________

Art. 37 (...)

XXI -ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Estas duas normas, por sua vez, fazem alusão à Lei Federal nº 8.666, de 21.06.93, alterada pela Lei nº 8.883, de 08.06.94, a propagada Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Porém, antes de tecer considerações mais detalhadas relativas à Lei Licitatória, passsemos a analisar as peculiaridades de um caso corriqueiro em nossas cidades; as concessões de serviço de transporte coletivo de passageiros.

Algumas empresas no Brasil, concessionárias dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros, estão com as concessões expiradas ou próximas de assim acontecer. Em virtude da não conclusão de procedimentos licitatórios pertinentes, temos visto prorrogações precárias de tais vigências.

A Constituição Federal, em seu art. 30, V, estabelece que compete ao município a organização e prestação, direta ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.

Todavia, em razão do caráter metropolitano do transporte realizado na maioria das capitais, e obedecendo a chamada competência residual, prevista na Carta Magna, esta responsabilidade passaria a ser do Estado, conforme transcrição do § 1º do mesmo artigo 25:

§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

Como a Constituição atribuiu aos municípios a exploração do transporte urbano e à união os serviços de transporte interestadual, segundo artigos 30 e 21, respectivamente, a competência do transporte metropolitano(intermunicipal), por força do mencionado mandamento constitucional, passa a ser do Estado, no caso, o Estado de Goiás.

Antônio Henrique Lindemberg Baltazar, doutrinador constitucionalista, em Artigo nominado Repartição Constitucional de Competências no Estado Federal Brasileiro Parte I, trata com considerável propriedade sobre essa matéria, conforme colacionado abaixo:

Neste sentido, a título de exemplo, partindo das premissas oriundas da predominância do interesse, o legislador constituinte originário estabeleceu que compete à União explorar os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (CF, art. 21, XII, e), que compete aos Municípios explorar os serviços de transporte intramunicipal (CF, art. 30, V) e aos Estados, em virtude de sua competência reservada (art. 25, § 1º), competirá explorar o transporte intermunicipal.

Em Goiânia, por exemplo, a CDTC Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos, instituída pela Lei Complementar Estadual nº 027/99, em razão do advento da Região Metropolitana, passou a ser a legítima titular dos serviços de transporte coletivodos municípios que compõe a referida região. Os parágrafos 4º e 5º, do art. 1º da mencionada LC, são esclarecedores quanto as competências municipais que foram alteradas, conforme transcrito abaixo:

§ 4º. Em face da unidade sistêmica metropolitana, o Estado de Goiás e todos os municípios no § 3º, na plena atividade de garantias constitucionais, exercerão seus poderes, direitos, prerrogativas e obrigações inerentes ao serviço público de transporte coletivo, exclusivamente na Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos, instituídas por esta lei complementar.

§ 5º. Por força do que dispõe o § 4º, a outorga de concessões, permissões e autorizações a qualquer título, bem como a organização, o planejamento, o gerenciamento, o controle e a fiscalização dos serviços de transportes coletivos, para fins de sua harmonização no contexto sistêmico da rede única instituída no § 3º, serão resolvidos pelo Estado de Goiás e pelos municípios na Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos.

Desta forma, após este destaque, passemos a análise da sequência natural em se tratando de contratações públicas. Sendo o Estado, ou, no caso de Goiânia, a CMTCresponsável pela operacionalização da licitação aqui tratada e integrante da Administração Pública, deve ela se submeter aos ditames da Constituição e da Lei nº 8.666/93, conforme trazido em linhas volvidas. Esta dispõe acerca das normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A regra para os entes públicos é a ocorrência de licitação, haja vista a necessidade de se respeitar a supremacia do interesse público e, por conseguinte, garantir a competitividade e a maior vantajosidade possível.

Todavia, a própria Constituição, de forma excepcional, na parte inaugural do inciso XXI de seu art. 37, quando menciona a ressalvados os casos especificados na legislação, facultou a contratação direta nos casos previstos em lei, pois em determinadas circunstâncias a realização de procedimento licitatório pode contrariar a essência prevista constitucionalmente.

A legislação aqui tratada é a Lei Licitatória, e as situações de exceção estão elencadas no art. 24. Dentre elas, há, no inciso VIII, a hipótese de contratação com pessoa da Administração Pública, conforme transcrição abaixo:

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

VIII para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

Ao se analisar meticulosamente os termos do inciso acima, depreende-se que o ente Contratante deve ter natureza jurídica de direito público interno, de modo que, desta forma, há subsunção perfeita ao quadro que ora refletimos, pois será o Estado, a pessoa jurídica a contratar.

Seguindo na análise do inciso VIII, do art. 24, percebe-se que os serviços contratados pela pessoa jurídica de direito público interno, devem ser fornecidos por órgão ou entidade que integre a Administração Pública.

Quando, eventualmente, concedente e concessionária estiverem em órbitas administrativas distintas (Municipal e Estadual), não haverá qualquer restrição ou impedimento, pois a norma aqui interpretada não faz a mínima menção acerca da necessidade de pertencerem, contratante e contratada, a mesma esfera administrativa.

O célebre administrativista Marçal Justen Filho, inComentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos 11ª edição trata com maestria da possibilidade de contratações entre entidades de órbitas diferentes, conforme transcrito abaixo:

A dúvida relaciona-se com a possibilidade de pessoa de direito público contratar entidade integrante de outra órbita administrativa. Assim, um Estado poderia contratar, sem licitação, uma entidade integrante da Administração Pública federal? A resposta é positivae deriva da identidade jurídica entre a entidade e o sujeito que a instituiu. Suponha-se que, em vez de criar entidade autônoma, a União mantivesse a atividade por seus próprios órgãos internos. Seria perfeitamente possível que União e Estado realizassem convênio para que o órgão federal atuasse em prol do interesse estadual. Como acima apontado, a atribuição de autonomia jurídica ao órgão não altera o panorama jurídico.

Dando sequência ao criterioso estudo do inciso VIII, passemos à parte que prescreve que a entidade contratada, integrante da Administração Pública, tenha que ter sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, ou seja, em momento pretérito ao dia 21 de junho de 1993, data da edição da Lei nº 8.666/93, instituída para regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.

Evidentemente que tal previsão deve ser relativizada, pois há situações de sucessão na empresa a ser contratada, ou seja, mesmo tendo seu surgimento em data posterior à edição da lei de licitações, advém de outra que fora criada em período pretérito, o que conduz à legalidade da circunstância.

Já na parte última do texto do inciso VIII há ressalva no sentido que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. Neste aspecto repousa pacífico entendimento de que a empresa dispensada de licitação ou qualquer outra contratada não terá liberdade para fixar valores de tarifas ou contra-prestação relativa a concessão dos serviços (Poder Concedente).

Outro fator que, indubitavelmente, não pode deixar de ser sublinhado, em virtude da alta relevância que assume, é a necessária presença dos princípios da celeridade, economicidade e eficiênciano processo de dispensa de licitação. Como elementos imperativos no trato da coisa pública, devem ser preconizados em qualquer tratativa da Administração Pública, haja vista o interesse coletivo.

Jessé Torres Pereira Júnior, respeitado doutrinador do Direito Administrativo, em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública(Editora Renovar, 1997), reforçando a tese da possibilidade ora aventada, afirma, de modo categórico, que as hipóteses de inexigibilidade e dispensabilidade de licitação, previstas na Lei nº 8.666/93, são aplicáveis às licitações para concessões e permissões de serviços públicos.

Por oportuno, há de sublinhar o fato de que mesmo no caso de dispensa de licitação, deve haver a montagem de processo que vise a demonstração das justificativas que levaram o Administrador a concluir por esta opção. O art. 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, elenca os elementos que se fazem necessários neste processo, conforme abaixo transcrito:

Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2oe 4odo art. 17 e nos incisos III a XXIV do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o, deverão ser comunicados dentro de três dias a autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição para eficácia dos atos.

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

Quanto ao inciso I, em consonância com o caput do parágrafo único, que diz no que couber, não há que se falar, vez que não trata-se de situação emergencial ou calamitosa, prevista no inciso IV, do art. 24 da Lei de Licitações. Os demais itens de pertinência seriam a razão de escolha do fornecedor e a justificativa do preço.

Dito isto e considerando que a tese ora em construção é a dispensabilidade de licitaçãoe não a dispensa obrigatória ou a inexigibilidade, que não comportam possibilidade de seleção de propostas, tornar-se-ia necessária a apresentação dos motivos que levam tal escolha a garantir maior vantajosidade à Administração.

Perante todo o exposto, perfeitamente possível, do ponto de vista legal, desde que rigorosamente cumpridos os requisitos delineados em linhas volvidas, adeclaração de dispensa de licitação, por parte do Poder Concedente, em favor de órgão ou entidade que integre a Administração Pública, para exploração do serviço de transporte coletivo urbano de passageiros, nos termos do art. 24, VIII, da Lei Licitatória.

  • Publicações4
  • Seguidores4
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações20146
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/dispensa-de-licitacao-em-concessao-de-servico-publico/100241552

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 8 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL: AgInt no REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-2

Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Jurisprudênciahá 8 meses

Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: XXXXX-53.2020.4.04.7101 RS

Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Jurisprudênciaano passado

Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Cível: AC XXXXX-12.2011.8.13.0024 Belo Horizonte

Concessão de direito real de uso

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 2 anos

Artigo 74

2 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Artigo claro e explicativo. Ajudou bastante. continuar lendo

Bom artigo! Sucinto e didático. continuar lendo