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25 de Abril de 2024

A Significância do Princípio da Insignicância

Publicado por GPM-ADVOGADOS
há 11 anos


Ano após ano, o sistema carcerário brasileiro permanece completamente
lotado. Porém, existe uma parcela dos presos que não deveriam estar ali.
Pessoas que cometeram infrações menores não deveriam ocupar a mesma cela de
criminosos experientes. É preciso a aplicação imediata de princípios
legais, como o princípio da insignificância, para preservar a dignidade
humana da sociedade e prevenir o processo de fabricação de criminosos.

Toda ciência tem os princípios como égide, já que são eles o norte de seus
fundamentos. Sem os princípios é impossível falar em construção de um
pensamento científico.

Em casos de omissão da lei existem três critérios a adotar sendo eles a
analogia, os costumes e os princípios. No julgamento das questões
jurídicas como um todo, por exemplo, deve do julgador examinar o fim social
a que se destina a lei, bem como os interesses da coletividade. Tal
princípio encontra previsão no artigo da Lei de Introdução ao Código Civil.

Da mesma forma acontece com o Direito Penal, o qual possui princípios
próprios, mas muitas vezes utiliza princípios típicos de outras ciências a
fim de melhor solucionar as lides criminais. E foi exatamente diante desse
quadro que surgiu o princípio da insignificância, o qual objetiva preencher
uma das maiores lacunas de nosso ordenamento, qual seja, a efetiva
aplicabilidade das leis penais.

Nessa linha de raciocínio e partindo do conceito de crime como toda conduta
humana, positiva ou negativa, típica e antijurídica, a que o ordenamento
jurídico impõe uma sanção penal, como forma de punir o criminoso pelo ato
lesivo praticado à sociedade, ainda que indiretamente, e inibir em caso de
reincidência, fazem-se presente dois elementos: a tipicidade e
antijudidicidade. Entretanto, os estudiosos do assunto se dividem em duas
posições quais sejam a doutrina Clássica e a Moderna, as quais passa-se a
abordar.

As doutrinas clássica e moderna, dentre outros aspectos, entram em
desacordo em relação ao elemento denominado `tipicidade`. Aqui, o conflito
se refere à conveniência, conforme as legislações processuais e penais do
Brasil, de aplicar ou não o princípio da insignificância no direito penal.

Sendo o tipo penal uma descrição da conduta humana, feita pela lei,
classificada como crime, haverá crime sempre que o comportamento humano se
amoldar ao tipo penal? Nullum crimen sine lege? Do ponto de vista formal, a
conduta tipificada na lei penal é a mera correspondência entre uma conduta
da vida real e o tipo legal do crime, que consta no ordenamento punitivo.

Para os seguidores da doutrina moderna, a pena somente deve ser aplicada à
pessoa humana em casos nos quais não possa ser substituída por outra
sanção, deve o aplicador da lei penal se ater a uma singular consideração:
o tipo penal traz em si mesmo outra variante - o aspecto material da
conduta. Assim, não é suficiente que a conduta esteja descrita no texto da
lei. Há que ser feita uma valoração entre o bem jurídico lesado e as
circunstancias do fato concreto.

Na Doutrina Clássica da teoria do crime, não ocorre tal valoração, pois se
a conduta está prevista no texto da lei, deve se classificada como crime e
seu praticante como criminoso. O celébre jurista Francisco de Assis Toledo
leciona:

"O tipo não serve apenas para identificar as condutas criminosas, mas se
presta igualmente para descriminar os fatos atípicos; todavia, ao fazê-lo,
não exclui a possível ilicitude desses mesmos fatos que podem configurar
algum ilícito não-penal. O fato atípico pode, pois ser antijurídico; não
pode, todavia, ser um injusto penal" (TOLEDO, Francisco de Assis.Princípios
Básicos de Direito Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 5ª ed., 2002, p. 128.)

O legislador fixa os paradigmas das condutas ilícitas que são relevantes
para o direito penal, através das descrições típicas. Formulados esses
tipos legais de crimes, neles devem subsumir-se os acontecimentos da vida,
para que melhor se possa atribuir a dignidade jurídico-criminal.

Recentemente o Superior Tribunal Federal aplicou o princípio da
insignificância em de Hábeas Corpus nº 84412. O ministro Celso de Mello
concedeu a liminar pedida no Habeas Corpusem favor de Bill Cleiton
Cristóvão, o qual tinha sido condenado pela Justiça paulista pelo crime de
furto de uma fita de vídeo game, no valor de R$ 25,00 (vinte e cinco
reais).

A defesa, como era de se esperar, alegou a desproporcionalidade entre a
pena e o valor do objeto furtado, o qual inclusive fora recuperado, o que
descaracterizou qualquer prejuízo à vítima e sustentou que o Direito Penal
somente deve incidir nas situações em que exista uma real violação ao bem
jurídico protegido, ou seja, deve haver uma agressão que justifique a
incidência da pesada sanção de natureza penal.

O relator, por sua vez, ponderou sobre a aplicabilidade do princípio da
insignificância e assim decidiu:

(...) Como se sabe, o princípio da insignificância - que deve ser
analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar
a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter
material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na
análise do tema em referência (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, "Princípios
Básicos de Direito Penal", p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva;
CEZAR ROBERTO BITENCOURT, "Código Penal Comentado", p. 6, item n. 9, 2002,
Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, "Direito Penal - Parte Geral", vol. 1/10,
item n. 11, h, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES,
"Princípio da Insignificância no Direito Penal", p. 113/118, item n. 8.2,
2ª ed., 2000, RT, v.g.).
O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do
relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais
como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma
periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada -
apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que
o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos
próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público
em matéria penal.
Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a
relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição
de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente
necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens
jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade.
Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT
BONFIM e de FERNANDO CAPEZ ("Direito Penal - Parte Geral", p. 121/122, item
n. 2.1, 2004, Saraiva):
"Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem
previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo,
princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da
objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor
e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é
tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se
imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por
absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o
comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os
comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa
razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A
tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre
os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse
juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado
pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo
bem jurídico." (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal
mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de
outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado,
enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do
eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI ( "Curso de Direito Penal - Parte
Geral", p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o
direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo
desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao
titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem
social. (...) (Medida Cautelar em Hábeas Corpus nº 84.412-0, de SÃO
PAULO).

Para o ministro, numa ótica minimalista, o sistema jurídico precisa
considerar que a circunstância de privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente é justificável quando estritamente
necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens
jurídicos que lhes sejam essenciais, principalmente nos casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade.

O princípio da insignificância objetiva evitar situações desse gênero, como
instrumento de interpretação restritiva do tipo penal dos operadores do
direito. O princípio da intervenção mínima, por sua vez, almeja, pois,
desafogar a máquina judiciária, onde processos sem o menor potencial
jurídico de importância, ocupam tempo e despesas processuais, de outros
que, por comoverem bem mais a sociedade, deveriam andar mais rapidamente.

A Carta Magna de 88 propôs à função judiciária uma máquina supostamente
eficaz à boa aplicabilidade da lei penal, os juizados especiais de
pequenas causas, nos quais são julgados crimes cujas pena, na sua maioria,
não ultrapassam três anos de detenção, o juiz pode, ou melhor, deve,
dependendo da situação concreta do caso, aplicar o princípio da
insignificância, sem temer erro judiciário.

Entretanto, o princípio da insignificância não possui previsão legal no
ordenamento pátrio, fato no qual muitos operadores se baseiam para atacar a
aplicação do princípio da bagatela. Neste sentido, Vani Bemfica:

O princípio é muito liberal e procura esvaziar o direito penal. E, afinal,
não é fácil medir a valorização do bem, para dar-lhe proteção jurídica. E
sua adoção seria perigosa, mormente porque, à medida que se restringe o
conceito de moral, mais fraco se torna o direito penal, que nem sempre deve
acompanhar as mutações da vida social, infelizmente para pior, mas
detê-las, quando nocivas. (Benfica, Vani. Da Teoria do Crime. São Paulo:
Saraiva, pág. 72)

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça , analisando o caso de um
rapaz acusado do furto de um carregador e da capa de um celular, proferiu
sua decisão totalmente baseado no princípio da bagatela, senão vejamos:

Ementa. PROCESSO PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO.
REINCIDÊNCIA NAO CONFIGURADA. VALOR IRRISÓRIO. TIPICIDADE MATERIAL.
AUSÊNCIA. APLICAÇAO DO PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇAO. ART. 386,
INCISO III, DO CPP. ORDEM CONCEDIDA. A tipicidade material - que faz parte
do conceito de tipicidade - consiste em averiguar se uma conduta
formalmente típica causou ofensa intolerável ao objeto jurídico penalmente
protegido; A conduta de subtrair um carregador e uma capa de celular do
Supermercado Carrefour, no valor total de R$56,40, não constitui crime de
furto, pois inexistente a tipicidade material; Na aplicação do princípio da
insignificância leva-se em conta, tão só, o valor da coisa subtraída e
nunca a utilidade que propicia ao proprietário ou possuidor, à vista do bem
jurídico que se tutela, o patrimônio; Ordem CONCEDIDA para ABSOLVER o
Paciente com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal. (HC
41638; 6ª Turma; Relator: Min. Paulo Medina; Publicado em 07/03/2006)

Em caso análogo , novamente demonstrou a relevância da aplicação do
princípio da insignificância:

Ementa. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE, EM SENDO IRRISÓRIO O VALOR SUBTRAÍDO. RECURSO IMPROVIDO. 1.
"1. O Direito Penal, como na lição de Francisco de Assis Toledo, '(...) por
sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção
do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas.' (in Princípios Básicos
de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).2. Cumpre, pois, para que se possa
falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade
legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante,
de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo
princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República
(artigo 98, inciso I). 3. O correto entendimento da incompossibilidade das
formas privilegiada e qualificada do furto, por óbvio, não inibe a
afirmação da atipicidade penal da conduta que se ajusta ao tipo legal do
artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, por força do princípio da
insignificância. 4. Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória
lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente
irrelevante, não extrapolando a órbita civil." (HC 21.750/SP, da minha
Relatoria, in DJ 4/8/2003).2. Recurso especial improvido. (Resp 556046 /
MG; 6ª Turma; Relator: Hamilton Carvalhido; Publicado em 09/02/2004)


Nos casos em referência, o patrimônio é o bem que se pretende tutelar. Para
que se alcance o nascedouro do delito, é necessário analisar se estão
presentes a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade.

In casu, sabendo que o fato típico é formado pela conduta, resultado, nexo
causal e tipicidade, é necessário uma reflexão mais profunda a fim de se
alcançar se os fatos são ou não típicos.

Ora, o Direito Penal objetiva a proteção de interesses e valores relevantes
para a sociedade e com o intuito de evitar a sua utilização de maneira
descomedida, posicionamentos doutrinários surgiram para demonstrar a
prescindibilidade desse ramo jurídico na regência de certos casos
concretos. Assim, cindiu-se a tipicidade em formal e material. Enquanto
aquela representa o conceito clássico de tipicidade, esta é definida como a
conduta formalmente típica que causa um ataque intolerável ao objeto
jurídico penalmente tutelado.

Existem condutas, como as citadas nas ementas, indubitavelmente reprováveis
e imorais mas que não alcançam o campo de incidência do Direito Penal. Em
caso de prejuízo, este deve ser reparado no âmbito cível, pois não parece
correto utilizar a esfera criminal para reparação de danos.

O Direito deve adequar-se à realidade social. E a realidade é que num país
em que os índices de miserabilidade imperam, o sistema carcerário deve
servir apenas para reabilitar aqueles que cometeram delitos de alta
periculosidade à sociedade. Um pão pode ser extremamente útil ao milionário
faminto em certa hora, mas seu valor é insignificante. Como o é também uma
simples grafite, mas sua falta a um aluno que se submete a uma avaliação
traz efetivo prejuízo. O patrimônio o objeto jurídico protegido pelo art. 155, CP e não o direito de pagar a passagem do ônibus ou matar a fome.

Quanto aos demais, em atenção ao princípio da bagatela, outra medida há ser
aplicada, sem a necessidade de uma condenação criminal.
O princípio da insignificância não serve ao magistrado somente no momento
de prolatar sua decisão, mas assim como todos os demais princípios, limita
seu arbítrio de tal forma que afaste a ilegalidade e respeite a dignidade
humana. In casu, conclui-se que nem toda ofensa ao bem jurídico merece
sanção penal. Os critérios de política criminal fazem parte do Direito
penal, configurando um novo Direito penal, completamente antagônico àquela
visão formalista e literalista do século passado.

Ao legislador cabe, sobremaneira, a função de elaborar leis. Mas como é
impossível prever os casos concretos em que sua lei será aplicada, resta ao
aplicador da lei corrigir essa anomalia jurídica.

O tipo penal, especificamente, agrupa, em si mesmo, aspectos tão variados,
que o comportamento humano pode praticar sem que estivesse na mira do
legislador. A lei, quando reprime, deve guardar uma perfeição tal que
impeça a condenação de alguém por uma conduta que o legislador não desejou
incriminar.

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